Gosto de coisa antiga, de objetos que carregam histórias, de móveis marcados, principalmente de madeiras que duram para sempre. Coisas modernas são bonitas e limpas, mas as antigas têm o charme e a rusticidade que somente o tempo consegue construir.
Gosto ainda mais da negociação que acontece na compra. Você conversa pelo aplicativo e por lá mesmo marca o primeiro encontro para conhecer a mercadoria. De quebra, visita a casa do vendedor. Na maioria das vezes, ele já te aguarda na porta.
Foi assim que se deu este acontecido. Localizei o anúncio de um armário bonito que só. Chovia na hora marcada. O anunciante me aguardava sob a marquise da laje de um sobrado pitoresco. Era recuado do muro gradeado pela distância de um jardim bem cuidado.
Pensei que encontraria alguém mais jovem e dou de cara com um senhor. Baixo em estatura, semblante aberto, cabelos lisos penteados de lado, roupas e sapatos sociais. Daqueles tipos de pessoas que estão sempre bem-vestidas. Maurício. Gostei dele.
Eu, debaixo de um guarda-chuva, numa luta inglória contra o vento.
Nos apresentamos e fui conduzida por uma escada lateral e, lá no primeiro andar, outro Maurício e o armário. Este, já próximo a porta, sobre um tapete que provavelmente foi usado para empurrá-lo mais fácil.
Não preciso de muita para puxar uma conversa e, diante daqueles dois senhores de mesmo nome, tive material de sobra. Em poucos minutos, já estavam me contando casos. São irmãos por adoção, cresceram ali e ajudaram a construir o casarão na picareta em tempos outros. Os pais já falecidos, criaram uma família que já foi numerosa. Dos seis filhos, sobraram eles.
O armário era da mãe. O motivo da venda é que um dos Maurícios resolveu ir embora para praia, por isso estava se desfazendo de alguns móveis. Ia viver o resto dos dias rolando na areia e sentindo calor, pois se cansou do frio.
– Está animado? – perguntei.
– Bem, essa é a pergunta de um milhão. – brincou o Maurício que se mudaria. – Acredito que sim, sei que ficarei longe do local onde fui criado e do único irmão que me sobrou. A questão é que, quanto mais tempo demoro, menos tenho ânimo para partir e eu me prometi fazer isso. Vou me permitir.
Espiei, no canto da sala, um jardim de suculentas plantadas em vasos de cerâmica coloridos. Os suportes de várias alturas aproveitavam o espaço em todas as direções. Telhas de acrílico embaçadas filtrava a luz suficiente para a saúde delas. Claramente uma casa habitada há muito tempo.
– Posso perguntar por que resolveu ir agora? Pelo visto é sonho antigo. – Brinquei. Ele riu, enquanto o outro Maurício abria as portas do armário e me mostrava o interior.
– Primeiro a covid me levou um irmão. As enchentes levaram outro. E um terceiro foi no centro resolver algumas coisas, caiu, bateu com a cabeça. Esses acontecimentos mudaram as regras para nós que ficamos. As coisas não são mais como eram. – Olhou para o nada, quase incapaz de aguentar a resposta.
Arrependida, me perguntei como aquela conversa a princípio alegre tinha ido parar ali.
– Que coisa! Obrigada por me contar… Vou ficar com o armário. Ele será sempre uma lembrança deste dia. Vou enchê-lo de livros para que continue a contar muitas outras histórias.
Fechar o negócio foi a única saída sensata que achei. Não estava em boas condições, mas o preço valia o constrangimento da minha língua grande. Vendo meu atropelo em querer fechar o negócio, um deles acudiu:
– Acredite, será um prazer te vender. – Ambos me olharam com sorrisos travessos. Duas figuraças! – Esse é o espírito! É preciso usar as armas que temos para conseguir o que queremos.
É sério isso? Admito que fui ingênua. Se a história dos Maurícios é verdadeira ou não, nunca saberemos. Não quis arriscar outra pergunta muito menos saber o que aconteceu com o quarto irmão. O armário precisou de uma intervenção cirúrgica contra cupins e, todo dia que olho para ele, lembro de nunca subestimar um idoso.
Bem, se não fosse pelo armário antigo, eu não os teria conhecido, muito menos teria aprendido tão eficiente argumento de venda.