Reflexos de uma Vida Não Planejada

Por Sara Gomes

O carnaval acabou! É agora que o ano começa e eu me pego refletindo sobre a vida. Neste mês, completo 42 anos. Sentada na varanda da minha casa na Serra, com uma cuia de chimarrão nas mãos, observo o paradeiro da rua e, em momentos assim, ainda me surpreendo com os caminhos que me trouxeram até aqui.

Não é o cenário que eu imaginava para mim duas décadas atrás (não mesmo!), mas a vida tem dessas coisas – ela raramente segue o roteiro que escrevemos em nossa inocência.

Lembro-me de quando tinha 22 anos, perto de terminar minha primeira graduação, cheia de sonhos e preparando meu casamento. Naquela época, eu tinha certeza que aos 42 estaria casada, com trigêmeos (Yasmin, Talita e Lucca, claro), vivendo numa casa grande com quintal espaçoso e, quem sabe, até um cachorro. O emprego dos sonhos viria naturalmente (eu estudava para isso!), assim como a estabilidade financeira e a felicidade plena. Ah, a riqueza da ingenuidade!

A realidade se mostrou bem diferente. Aos 23, deu certo mesmo e casei com Lucas. Foi amor antigo, daqueles que a gente acha que só existe em filmes. Mas os anos foram passando, e o teste de gravidez nunca mostrava as duas linhas tão esperadas. E foram milhões deles.

Consultas médicas, exames intermináveis, caros e dolorosos. Um aborto. Luto. A montanha-russa emocional da infertilidade é algo que não desejo nem para minha pior inimiga (se eu tivesse uma, claro!). Cada mês trazia uma nova onda de esperança, seguida por um tsunami de decepção. Vi amigas e irmãs engravidarem, vi bebês nascerem, acompanhando de pertinho na sala de espera do hospital, participei de chás de bebê e dei alguns primeiros banhos. Peguei várias criaturinhas miudinhas e indefesas no colo enquanto silenciosamente orava por proteção divina delas e um milagre idêntico para nós.

Aos 35, após mais uma tentativa frustrada, Lucas e eu decidimos parar. Foi uma decisão difícil, mas necessária para nossa saúde mental e para nosso relacionamento. Decidimos que seríamos uma família, mesmo que não nos moldes tradicionais.

Redirecionamos nossa energia. Lucas se dedicou à sua paixão pelos investimentos, que antes era apenas um hobby. Eu, que sempre amei artes, fui cursar nova faculdade. Divulgar textos aqui no Instagram foi mais um passo corajoso e uma nova aventura para ocupar as brechas da vida. Para minha surpresa, encontrei aqui uma comunidade de escritores e leitores, suas histórias me encantam e significam ainda mais minha trajetória.

Não vou mentir, há dias difíceis. Dias em que Lucas está de plantão e o silêncio em casa parece ensurdecedor. Teve uma época da minha vida em que até enxergava uma criança, um menino de calça jeans e blusa xadrez. Nos lugares mais improváveis, lá estava ele sorrindo. Já tem um bom tempo que ele não me visita. Há momentos em que me pego imaginando como seria ouvir alguém me chamar de “mãe”. Dia das mães ainda é ruim.

Mas há também dias de alegria profunda e gratidão. Alegria por poder viajar de repente, mudar para outro estado, por ter a liberdade de inventar uma nova carreira aos 40, por poder dedicar meu tempo a causas que me apaixonam. Gratidão pelo amor que Lucas e eu construímos, pela família que formamos – nós dois e nossos bichinhos adotados.

Aprendi que a vida não precisa seguir um script pré-determinado para ser significativa. Que há muitas formas de deixar um legado, de cuidar, de amar. Descobri que posso ser “mãe” de ideias, de projetos, de sonhos.

Na porta dos 42, não tenho todas as respostas. Ainda luto contra as expectativas sociais, ainda sinto o olhar de pena quando digo que não tenho filhos. Mas também aprendi a me defender, a valorizar minha jornada única.

Olho para o reflexo no espelho e vejo uma mulher diferente daquela que imaginei ser aos 42. Vejo marcas de expressão que contam histórias de risos e lágrimas. Vejo olhos que brilham com uma sabedoria duramente conquistada. Vejo alguém que aprendeu a se amar, com todas as suas “imperfeições”.

Não sei o que os próximos anos me reservam. Mas sei que continuarei escrevendo minha história, página por página, dia após dia. Uma história que pode não ter personagens infantis, mas que está repleta de amor, crescimento e autenticidade.

E no fim, não é disso que se trata a vida? De escrever nossa própria narrativa, com coragem e verdade, independentemente das expectativas alheias?

Tomo o último gole do meu chimarrão, agora frio. O sol se põe no horizonte, pintando o céu de tons de rosa e laranja. Um novo dia se aproxima, trazendo consigo novas possibilidades. E eu? Eu estou pronta para abraçá-las, seja lá o que vier.