Cresci dentro de uma sorveteria. Mamãe tinha uma e aproveitava a cambada de filhos como atendentes de balcão — somos sete. Minha infância, adolescência e mocidade foram gastas ali. Eu e meus irmãos, ficamos conhecidos como “as meninas e os meninos do sorvete”.
Tinha uma cliente que, sempre que passava na porta, dizia para minha irmã:
— Cecília! A boneca loira da Sorveteria Sorriso! — Minha irmã morria de vergonha.
Quase levamos nossos pais à falência: tomávamos muito sorvete.
A sorveteria foi, sem dúvidas, uma das nossas professoras da vida.
Particularmente, aprendi a fazer troco na transição do Cruzeiro para o Real com uma cliente. Foi lá que entendi que dinheiro não nasce em árvore. E, mais tarde, a sorveteria também foi meu campo de pesquisa para a monografia do bacharelado em Administração.
Mais do que todas as lições práticas, carrego os sonhos sonhados sentada em um dos tamboretes de madeira, esperando os clientes chegarem.
Não há lugar tão rico em histórias quanto um comércio! Muitos casos surgiram por detrás daquele balcão antigo que servia de vitrine das balas e chicletes.
Uma vez, enquanto saboreava uma caprichada banana split, entrou uma cliente para trocar uma nota de cinquenta. Ao ver minha refeição preferida, ela disse:
— Aproveite, minha filha, porque, passando dos trinta, a cobrança chega e vem com juros.
Eu era um palito em forma de gente naquela época, achei difícil de acreditar; aquilo não foi profecia, foi uma verdadeira maldição.
Depois dos trinta, a coisa saiu um pouco do controle. E, depois dos quarenta e com a menopausa precoce: eu que lute!
Contei essa história para Dona Mafalda, minha conselheira favorita, e ela me tranquilizou:
— Não se preocupe com isso, menina. Não é um pedacinho de bolo que tira a sua alegria de viver. O problema está na quantidade de pedacinhos de bolo que você consegue comer.
— Aí é que mora o problema, Dona Mafalda! Quem, em sã consciência, toma uma bola de sorvete?
Sempre que falo sobre meu passado de sorveteira, as pessoas me perguntam se ainda gosto do doce. Sim! Sem dúvidas, minha sobremesa favorita. Ser sorveteira anos seguidos definitivamente não te faz enjoar.
Quando estou focada na dieta, entro em uma sorveteria e já não peço mais uma banana split. Preciso contentar com uma bolinha. Se tem a versão diet, tento ser feliz com uma de morango.
Nos domingos regados a frango caipira na casa de Papai, ainda nos esbaldamos na iguaria.
Mas o costume de tomar o doce nem se compara à fama de menina do sorvete. Isso você carrega para a vida inteira, mesmo sem existir mais a sorveteria.
Um tempo atrás, acompanhei meu marido em um encontro de colegas de Moc lá na Bahia. Um dos companheiros de viagem disse:
— Acho que te conheço de algum lugar.
— Sou uma das meninas do sorvete – respondi.
Ele me reconheceu na hora. Disse que adorava o picolé de groselha de lá. É minha forma favorita de iniciar uma interação.